<i>Um atalho eclesiástico para o poder mundial</i>

Jorge Messias

«É hora de buscar uma saída al­ter­na­tiva ao sis­tema ca­pi­ta­lista per­verso a ponto de des­truir tri­liões de seres vivos para salvar o mer­cado fi­nan­ceiro e virar as costas aos bi­liões de ho­mens e mu­lheres que di­a­ri­a­mente va­cilam entre a po­breza e a mi­séria...» (Frei Bettto, «Con­versa entre a Fé e a Ci­ência).

«Eco­nomia so­li­dária é um jeito di­fe­rente de pro­duzir, vender, com­prar e trocar o que é pre­ciso para viver. Sem ex­plorar os ou­tros, sem querer levar van­tagem, sem des­truir o am­bi­ente. Co­o­pe­rando, for­ta­le­cendo o grupo, cada um pen­sando no bem de todos e no pró­prio bem! A Eco­nomia So­cial aponta para uma nova ló­gica de de­sen­vol­vi­mento sus­ten­tável, com a cri­ação de tra­balho e me­lhor dis­tri­buição do ren­di­mento...» (Mi­nis­tério do Tra­balho e Em­prego, «O que é Eco­nomia So­li­dária», Mata do Portal, 13.9.2012).

«Nem o es­que­ma­tismo, nem a uni­for­mi­zação vinda do alto, têm algo em comum com o cen­tra­lismo de­mo­crá­tico e so­ci­a­lista. A uni­dade, quanto aos pontos es­sen­ciais, não é vi­o­lada; pelo con­trário, é ga­ran­tida pela di­ver­si­dade quanto aos de­ta­lhes, às par­ti­cu­la­ri­dades lo­cais, às ma­neiras de abordar as ques­tões ou aos modos de apli­cação do con­trolo... As massas são mi­lhões. Ora a po­lí­tica co­meça, não no ponto em que as pes­soas se contam por mi­lhares mas na­quele em que passam a cons­ti­tuir mi­lhões… Só aí co­meça uma po­lí­tica a sério!» (V.I. Lé­nine, «Obras Com­pletas»).

Os mo­no­pó­lios co­locam a Igreja num alto lugar e esta não os de­si­lude. Sem des­men­tidos sé­rios, ela pró­pria é apon­tada como «pri­meiro mo­no­pólio mun­dial». Uma ex­pe­ri­ência mi­lenar per­mite ao Va­ti­cano con­trolar, a um só tempo, gi­gan­tescas redes de in­te­resses fo­ca­li­zadas, quer nas «má­fias» isentas de qual­quer moral; quer nas dou­trinas que su­gerem utó­picas eco­no­mias so­li­dá­rias e ati­tudes fi­lan­tró­picas, por parte dos ca­pi­ta­listas mul­ti­mi­li­o­ná­rios. Ou, então, con­servar uma so­be­rana in­di­fe­rença pe­rante as lutas de classes. «Os cães la­dram e a ca­ra­vana passa», ra­ci­o­cina ci­ni­ca­mente o seu dis­ci­pli­nado clero.

Na Eu­ropa, a si­tu­ação é em geral cada vez mais di­fícil e com­pli­cada. Os es­tados vão-se apa­gando pe­rante os po­deres im­pe­riais dos grandes grupos eco­nó­micos. A classe do­mi­nante pro­cura des­truir ful­mi­nan­te­mente os grupos so­ciais que cons­ti­tuem os elos mais fracos. Im­põem a obe­di­ência in­con­di­ci­onal à sua von­tade. Ac­tuam «sem rei nem roque». Nada os pode im­pedir de avançar, assim acre­ditam. Nem di­reitos do homem, nem cons­ti­tui­ções, nem li­mi­ta­ções éticas. Mais ou menos acen­tu­a­da­mente, por toda a Eu­ropa, a lei é subs­ti­tuída pela obe­di­ência in­con­di­ci­onal aos mais fortes e aos mais ricos.

To­davia, se os ban­queiros e os es­pe­cu­la­dores perdem a ca­beça, os bispos con­servam o sangue frio. Sabem, in­ti­ma­mente, que a luta de classes é a es­pinha dorsal da His­tória e que é ela, mais do que nunca, que es­pelha a aguda crise que o mundo atra­vessa. Nin­guém já acre­dita em mi­la­gres. O mo­mento ac­tual impõe às hi­e­rar­quias apa­rentar que a or­to­doxia sempre de­fendeu os tra­ba­lha­dores. O clero ca­tó­lico, com pa­la­vras sá­bias, deve mudar o seu dis­curso mas manter in­tactos os ni­chos dos seus dogmas fun­da­men­ta­listas.

Salta, en­tre­tanto, aos olhos do ci­dadão comum, que a ex­plo­ração e a mi­séria crescem im­pa­ra­vel­mente por toda a parte onde o ca­pi­ta­lismo im­pera. O «es­tado ne­o­li­beral» ou «so­cial-de­mo­crata» corta às cegas e sai à es­trada mal lhes cheire a di­nheiro.

Tal como a Igreja sempre de­sejou, os fa­mintos re­fu­giam-se sob as suas asas.

Porém, em vão. Mesmo que for­madas em pi­râ­mides ou li­gadas em redes so­ciais, as or­ga­ni­za­ções ca­ri­ta­tivas ja­mais subs­ti­tuirão o Es­tado so­cial. No Ca­pi­ta­lismo, a ca­ri­dade de­pressa deixa de fun­ci­onar.

Leia-se uma re­cente nota da Con­fe­rência Epis­copal acerca das ex­pe­ri­ên­cias ca­tas­tró­ficas que atingem o povo por­tu­guês. Os bispos enu­meram as di­fi­cul­dades que atingem o nosso povo, prova de que as co­nhecem. De­pois, de­claram que existem, não um mas vá­rios ca­mi­nhos para su­perar a si­tu­ação. Mas logo re­metem as res­pon­sa­bi­li­dades para ter­ceiros: «Com­pete aos po­lí­ticos es­co­lher entre esses ca­mi­nhos, es­tudá-los e apre­sentá-los com sa­be­doria... A su­pe­ração da crise supõe uma re­no­vação cul­tural. A Igreja quer con­tri­buir para essa re­no­vação. Con­tamos para isso com a força de Deus e a pro­tecção de Nossa Se­nhora!».

É o faro dos ne­gó­cios. Ce­re­jeira não faria me­lhor...

(Con­tinua)

 

 


 



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